segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Manoel de Barros - Memórias inventadas


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palabras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito 
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o  mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática: 
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Excerto de Memórias Inventadas - As Infâncias de Manoel de Barros.




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