segunda-feira, 27 de maio de 2013

Calmaria



Nada!
Horas e horas neste ponto morto
Onde caiu agora a minha vida...
Nem um desejo, ao menos!
Só instintos pequenos:
Apetite de cama e de comida!

Nem sequer ler um livro
Ou conversar comigo, discutir...
Nada!
Neutro, morno, a dormir
Com a carne acordada.

Miguel Torga, in "Diário (1939)


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Martha Medeiros


         “Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. (...) Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto das marcas de velhice que o livro vai ganhando: (...) a lombada descascando, o volume ficando meio ondulado com o manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas é uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros.”

Obs.: Foi Martha quem disse, mas poderia ter sido eu ou você.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Trecho de "No Caminho de Swann" - Marcel Proust


Combray

                   Um homem que dorme sustenta em círculo, a seu redor, o fio das horas, a ordenação dos anos e dos mundos. Ao acordar, consulta-os por instinto e neles verifica, em um segundo, o ponto da terra em que se localiza, o tempo que transcorreu até o seu despertar; mas essa ordem pode se confundir e romper. Se, plea madrugada, após uma insônia, o sono vem surpreendê-lo durante a leitura, numa posição bem diferente daquela em que costuma dormir, basta seu braço erguido para parar e fazer recuar o sol, e no primeiro minuto ao despertar já não mais saberá as horas, achando que mal acaba de se deitar. Se adormecer em posição ainda mais desusada e diversa, por exemplo depois do jantar, sentado numa poltrona, então a reviravolta será completa nos mundos fora de órbita, a poltrona mágica o fará viajar a toda velocidade no tempo e no espaço, e, no momento de abrir as pálpebras, julgará estar deitado alguns meses antes, numa região diferente.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Por que amei assistir a segunda temporada de Girls

              
             Quando comecei a assistir Girls fiquei na dúvida se tinha realmente gostado da série. Mas aí, fui assistindo os episódios e no fim pude dizer com toda a certeza que eu tinha gostado, sim. E agora que terminei de assistir a segunda temporada posso dizer a vocês o quanto me deliciei com cada episódio. Para quem não sabe, Girls é uma série criada, escrita e protagonizada por Lena Dunham, uma garota prodígio indicada a 4 Emmys em 2012.


Lena Dunham

         A série é apresentada pela HBO e tem como pano de fundo a vida de quatro amigas, na faixa de seus 20 anos, que vivem em Nova Iorque. Apesar de já existirem outras séries que falam de amigas vivendo em Nova Iorque, Girls é diferente porque essas amigas são muito mais gente como a gente. A série não tem nada do glamour de Sex and the City ou da badalação das garotas do Upper East Side de Gossip Girl. Essas garotas são cheias de dúvidas, batalhadoras, sofrem, procuram emprego, são chutadas pelos homens, mas ao mesmo tempo conseguem rir delas mesmas, conseguem se divertir da maneira que podem.

Nessa segunda temporada, Hannah (a personagem de Lena Dunham) aparece com um novo namorado, Sandy (Donald Glover). O estranho é perceber que Hannah conseguiu deixar seu ex-namorado Adam para trás (na primeira temporada Hannah era como um cachorrinho que estava sempre batendo na porta de Adam no meio da noite, e ele sempre a destratava). E o mais estranho é ver que Adam não conseguiu lidar bem com essa rejeição. Agora é ele quem liga para que ela cuide dele, é ele que vai atrás dela e entra em seu apartamento, até que Hannah, assustada, chama a polícia e Adam acaba preso. 


Hannah e Sandy

     Não que Hannah quisesse ver Adam preso, é só que ela está muito assustada com o fato de ele não saber lidar com o “não”. A única coisa que Hannah quer é que Adam pare de mandar mensagens para ela. Mas se formos pensar, Hannah e Adam são os dois freak da série. São tão incomuns que parecem serem feitos um para o outro.

O namoro de Hannah com Sandy não engata, logo no início da segunda temporada, e isso rende um dos diálogos mais ricos da série: uma discussão sobre preconceito racial (já que Sandy é negro). Ele a acusa de querer namorá-lo apenas para andar pelos bairros perigosos de Nova Iorque ao passo que ela diz que nunca havia lhe passado pela sua cabeça que ele era um cara negro. Como Hannah? Ela consegue um contrato para escrever um e-book e, sob forte pressão, volta a ter suas crises de TOC. Ela perfura o tímpano com um cotonete, corta seu próprio cabelo, e lá no fim do poço, clama por Adam, que sai correndo para salvá-la!!! Eles são a tampa e a panela!


Adam e Hannah terminam juntos

 Outra personagem que chama muito a atenção é Marnie (Allison Williams), a amiga mais bonita. Na primeira temporada, Marnie tinha tudo: casa, emprego, namorado. No final da primeira temporada, Marnie se desentende com Hannah e acaba tendo que mudar de casa. Nessa segunda temporada, Marnie é a personagem mais perdida. Além de não ter mais casa, não ter mais namorado (Marnie se separa de Charlie na primeira temporada), Marnie acaba perdendo também o seu emprego. E ela simplesmente não consegue achar outro.


Marnie

Como se não bastasse, no meio desse turbilhão, Marnie acaba transando com o amigo gay e ex de Hannah. E isso abala ainda mais o relacionamento das duas. Ela consegue arrumar um emprego como hostess num restaurante e depois mantém uma relação com um carinha do seu passado, que ela sempre admirava. Mas Marnie acredita que os dois estão namorando até que o carinha, um artista plástico muito talentoso, diz para ela que eles não estão. Então, é preciso estar lá no fundo do poço para dar valor ao que se tinha. E é então que Marnie vai atrás do seu ex-namorado Charlie, que por sinal criou um aplicativo e ganhou rios de dinheiro.


Marnie e Charlie ficam juntos

Outra personagem de altos e baixos é Jessa (Jemima Kirke). Ela se casa com Thomas-Jhon (Chris O’Dowd), um cara superesquisito, mas rico, no final da primeira temporada, e permanece casada com ele por apenas dois meses. Na verdade, Jessa não se enquadra numa vida comum, como teria que ser a rotina do casamento. No episódio em que Jessa conhece os seus sogros, ela se solta e conta para eles a sua vida, o que fez e também o que ela não faz. É claro que é um choque para eles perceber que o filhinho querido casou-se com um mulher que viajou o mundo, usou heroína (segundo ela, só cheirava, não injetava). E isso rende ao casal uma briga que culmina com o término do casamento, já que Thomas-Jhon queria que Jessa escondesse quem ela era dos pais dele. Outra que fica lá no fundo do poço, vai atrás dos pais, mas como é um ser “errante”, cai no mundo para se recompor.


Jessa

A última amiga, Shoshanna (Zozia Marmet), que na primeira temporada era virgem sensível e pudica, perde a virgindade com o amigo de Charlie (ex de Marnie), Ray. Agora, Shoshanna tem que lidar com os sabores e dissabores de sua vida afetiva. Ela “percebe” que Ray está morando com ela e que ela está apaixonada por ele. É Shoshanna um dos maiores destaques dessa segunda temporada. Seus diálogos são muito bem escritos, doces e faz com que a gente dê boas risadas.


Soshanna

Enfim, essas garotas enfrentam desafios, insegurança, têm medo da vida real, se deparam com amizades falsas, se fortalecem com as verdadeiras, têm de lidar com a falta de dinheiro e com as frustrações. Essas garotas mostram serem como tantas outras que existem por aí. A série tem cenas excelentes, como a cena em que Hannah usa cocaína pela primeira vez para escrever um artigo sobre os efeitos da droga, o episódio em que Hannah passa o dia na casa de um médico desconhecido sendo tratada como uma princesa e fazendo muito sexo. Outro ponto de grande destaque é a trilha sonora da série. Com músicas ótimas, que enchem o coração da gente, sabe?!

Deu vontade de assistir? Então vai lá e se esbalde!!!

Grande beijo e fiquem com Deus!!

Bye-bye!!!

❤❤❤











segunda-feira, 29 de abril de 2013

Os sonhos do fim do exílio/1


         Helena sonhou que queria fechar a mala e não conseguia, e fazia força com as duas mãos, e apoiava os joelhos sobre a mala, e sentava em cima, e ficava em pé em cima da mala, e não adiantava. A mala, que não se deixava fechar, transbordava coisas e mistérios. 

Eduardo Galeano, de O livro dos Abraços.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Estrada Não Trilhada


Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
no qual, dobrando, desaparecia...

Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.

E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa: 
a estrada divergiu naquele bosque - e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.

Robert Frost

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Poética



1
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver - onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo


Cláudio Willer

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Passando dos cinquenta


Meu pescoço se enruga.
Imagino que seja
de mover a cabeça 
para observar a vida.
E se enrugam as mãos
cansadas dos seus gestos.
E as pálpebras
apertadas no sol.
Só da boca não sei
o sentido das rugas
se dos sorrisos tantos
ou de trancar os dentes
sobre caladas coisas.

Marina Colasanti 


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Eu Quero Ser Feliz Agora


Se alguém disser pra você não cantar
Deixar seu sonho ali pra uma outra hora
Que a segurança exige medo
Que quem tem medo Deus adora

Se alguém disser pra você não dançar
Que nessa festa você tá de fora
Que você volte pro rebanho.
Não acredite, grite, sem demora...

Eu quero ser feliz agora (2X)

Se alguém vier com papo perigoso de dizer
que é preciso paciência pra viver
Que andando ali quieto
Comportado, limitado
Só coitado, você não vai se perder
Que manso imitando uma boiada,
você vai boca fechada pro curral sem merecer
Que Deus só manda ajuda a quem se ferre,
e quando o guarda-chuva emperra certamente vai chover.
Se joga na primeira ousadia,
que tá pra nascer o dia do futuro que te adora.
E bota o microfone na lapela, olha pra vida e diz pra ela...

Eu quero ser feliz agora (2X)














segunda-feira, 8 de abril de 2013

A Desolation



Now mind is clear
as a cloudless sky.
Time then to make a 
home in wilderness.

What have I done but
wander with my eyes
in the trees? So I
wild build: wife,
family, and seek
for neighbors.

Or I
perish of lonesomeness
or want of food or
lightining or the bear
(must tame the hart
and wear the bear).

And maybe make an image
of my wandering, a little
image - shrine by the
roadside to signify
to traveler that I live
here in the wilderness
awake and at home.


Allen Ginsberg

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Soneto de Abril


Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo, como um pranto
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.

Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d'água, mas de canto.

Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas: 

amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.

Lêdo Ivo

sexta-feira, 22 de março de 2013

O hóspede despercebido


Deixei alguém nesta sala
que muito se distinguia
de alguém que ninguém se chamava,
quando eu desaparecia.
Comigo se assemelhava,
mas só na superfície.
Bem lá no fundo, eu, palavra,
não passava de um pastiche.
Uns restos, uns traços, um dia,
meus tios, minhas mães, meus pais
me chamarem de volta para dentro, 
eu ainda não volte jamais.
Mas ali, logo ali, nesse espaço,
lá se vai, exemplo de mim, 
algo, alguém, mil pedaços, 
meio início, meio a meio, sem fim.

Paulo Leminski, do livro Distraídos Venceremos.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Mrs. Dalloway


"Quando a gente é feliz, dissera ela a Elizabeth, tem uma reserva, de que lança mão, ao passo que ela era uma roda sem pneu (gostava de tais metáforas) sacudida a cada acidente; dissera-o depois da lição, de pé junto à lareira, com o seu pacote de livros, a sua "mochila", como lhe chamava, isso numa terça-feira de manhã, depois de terminada a lição. "

Trecho de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf

segunda-feira, 4 de março de 2013

O Corvo



Numa meia-noite cava, quando, exausto, eu meditava
Nuns estranhos, velhos livros de doutrinas ancestrais
E já quase adormecia, percebi que alguém batia
Num soar que mal se ouvia, leve e lento, em meus portais.
Disse a mim: "É um visitante que ora bate em meus portais´-
É só isto, e nada mais."
Ah! tão claro que eu me lembro! Era um frio e atroz dezembro
E as chamas no chão, morrendo, davam sombras fantasmais,
E eu sonhava logo o alvor e pra acabar com a minha dor
Lia em vão, lembrando o amor desta de dons angelicais
A qual chamam Leonora as legiões angelicais,
Mas que aqui não chamam mais.
E um sussurro triste e langue nas cortinas cor de sangue
Assustou-me com tremores nunca vistos tão reais,
E ao meu peito que batia eu mesmo em pé me repetia:
"É somente, em noite fria, um visitante aos meus portais
Que, tardio, pede entrada assim batendo aos meus portais.
É só isto, e nada mais.
Neste instante a minha alma fez-se forte e ganhou calma
E "Senhor" disse, ou "Senhora, perdoai se me aguardais,
Que eu já ia adormecendo quando viestes cá batendo,
Tão de leve assim fazendo, assim fazendo em meus portais
Que eu pensei que não ouvira" - e abri bem largo os meus portais: -
Treva intensa, e nada mais.
Longamente a noite olhei e estarrecido me encontrei,
E assustado, tive sonhos que ninguém sonhou iguais,
Mas total era o deserto e ser nenhum havia perto
Quando um nome, único e certo, sussurrei entre meus ais -
- "Leonora" - esta palavra - e o eco a repôs entre meus ais.
E isto é tudo, e nada mais.

Edgar Allan Poe

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Hugh Selwyn Mauberly



Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
Trecho de “Hugh Selwyn Mauberly”, de Ezra Pound.
Tradução de A. de Campos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

In Love por Downton Abbey


              Terminei de assistir a segunda temporada da série e não pude resistir à tentação de vir aqui escrever um pouquinho sobre ela para vocês. Sabe aquela série que é perfeita em todos os sentidos? Cenários lindos, figurino idem, época que eu gostaria de ter vivido. Cada vez que assisto um episódio os meus olhos se enchem de lágrima.

         Downton é daquelas séries que tem personagens bons demais e outros ruins demais. É a série dos opostos: família abastada VS pobreza, aristocracia VS trabalhadores, empregados VS patrões. A série mostra que os empregados da propriedade sabem tudo sobre a vida dos patrões, e estes sabem bem pouco da vida dos empregados.

         A primeira temporada foi linda também. É situada com o naufrágio do Titanic, 1912, e termina com o início da Segunda Guerra Mundial. No primeiro episódio da primeira temporada temos a chegada de mais um empregado na propriedade, o Sr. Bates, que chega para ocupar o cargo de valete de Lord Grantham. O Sr. Bates tem um problema na perna e é velho conhecido de Lord Grantham. Ao chegar em Downton, ele é hostilizado por alguns empregados (e é aí que você descobre quem é do bem e quem é do mal).

Essa temporada é marcada basicamente pelo fato de que Lord Grantham não tem filhos homens e, por lei, seu título e sua fortuna devem passar para o parente “homem” mais próximo, que por sinal morreu no trágico acidente do Titanic. Aparece então um primo distante, Matthew Crawley, um advogado nada acostumado com o ócio da aristocracia da família, que acaba ganhando a afeição do conde e todos da família passam a querer o casamento dele com a filha mais velha de Robert Grantham, Mary.

A segunda temporada transcorre concomitantemente à Segunda Guerra Mundial. Alguns vão para a guerra, são feridos ou mortos, e a enorme propriedade de Downton se transforma em uma casa de recuperação para oficiais feridos na guerra. Isso muda toda a rotina dos moradores do castelo, que se mostram sempre dispostos a cuidar dos feridos, quebrando assim a monotonia de suas vidas.

Mas nada permanece igual durante e após uma grande guerra. Várias mudanças são operadas, e eu não vou contar aqui para não estragar a surpresa de vocês. A propriedade de Downton tem como nome verdadeiro Highclere Castle. Foi construída na década de 1.600 e está localizada na região de Hampshire. Pertence ao conde de Carnavon e sua esposa, ambos amigos do criador da série Downton Abbey, Julian Fellowes.

Eu estou encantada com a série, simplesmente louca para ver logo a terceira temporada. São tantas emoções!!! Kkkkk. Se eu fosse você, ia correndo começar a ver! A série começará a ser exibida no canal GNT a partir de abril e já foi renovada para a 4ª temporada. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Trecho de “Tabacaria”, de Fernando Pessoa.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sobre O Carnaval


               Eh- eh-eh-ah, não faz marola que a canoa vai virar... Claro que o carnaval é nossa insânia, mas é nossa grandeza também. Há no carnaval um imenso desejo de felicidade, uma utopia de eterna liberdade. Nenhum país pode nos chamar de loucos. Maluco é esse mundo de Chávez, Iraque, Irã, homens-bomba. O nosso inconsciente no carnaval fica à flor da carne. Vocês já imaginaram aquelas cascatas de bundas na Suíça? No entanto, nessa explosão de alegria, surge os recalques engolidos durante o ano todo por multidões de desvalidos e infelizes. Claro, há as escolas de samba, os blocos de rua que ressurgem mais refinados no país todo. Mas há sim algo de sinistro no pula-pula brutal de multidões alucinadas, sem a delicadeza da alegria. Esse é o lado negro do carnaval. Um tumulto de milhares de foliões se esmagando, sem dança, sem ritmo, sem nada. Parece uma calamidade pública. O carnaval é saúde, tudo bem. Mas por baixo da euforia, aflora de repente a doença nacional da violência, da ignorância e do desamparo social e político. Agora é cinza, tudo acabado. E nada mais...”

Arnaldo Jabor, para o Jornal da Globo, em 2010.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Ana Karênina - Lev Tostói



                     Eu queria muito ler o livro Ana Karênina antes de o filme estrear em sua nova versão nos cinemas esse ano. Não vi nem o filme antigo, nem o filme novo, por enquanto. Mas até que enfim terminei de ler o livro! (Não me lembro de ter demorado tanto para ler um livro assim)

         Lev Tostói é um dos grandes escritores da literatura russa do século XIX, juntamente com Doistoiévski, Tchecov, Turgueniev e Gorki. Nasceu no ano de 1828 e foi educado por preceptores, com a morte prematura dos pais. O interessante para mim na vida de Tostói foi saber que ele escreveu sobre a precariedade da educação no meio rural, criando uma escola para filhos de camponeses na qual escrevia o seu material didático e deixava os alunos bem livres, sem muitas regras e punições.

         Era um grande pensador, as coisas do mundo o inquietavam, e cansou-se de procurar as respostas pelas quais tanto ansiava na filosofia e na ciência, deixando-se guiar então pela vida simples dos camponeses, que para ele era a mais adequada.

         Vamos ao livro. O contexto histórico do romance é um retrato fidedigno das grandezas e misérias da Rússia do século XIX, com várias alusões a títulos nobiliárquicos e eventos que reúnem a nobreza da época, e uma descrição rigorosa de ambientes e rituais sociais em voga, praticados por uma pequena elite, em uma postura antitética com relação a “outra Rússia”, em paulatino empobrecimento.

         A trama do livro está centrada na história de amor e adultério que protagoniza Ana Karênina, uma mulher da alta sociedade russa, casada com um importante político de São Petersburgo. Ana trai o seu esposo com o jovem militar Vronski e resolve enfrentar o seu marido e toda a sociedade para ficar com o seu amor, deixando seu filho aos cuidados do ex-marido.      

         Mas este era um fardo grande demais que Ana não poderia suportar. A crítica aguda da aristocracia russa começa a chegar a seus ouvidos, Ana é afastada e não mais bem quista na sociedade, culminando com um final trágico. A crítica literária sempre considerou que o valor artístico de Ana Karênina prevalece sobre a intenção moralizadora do autor.

         O livro é inegavelmente bom, mas ao mesmo tempo entediante, já que há outros núcleos de ação no romance, como o de Liêvin, que deixam a narrativa carregada com as descrições do campo e da atividade camponesa em si, bem como nas matérias filosóficas que Liêvin se vê apreendido. Se o autor tratasse apenas da vida de Ana, sem desviar o foco da narrativa, o livro seria bem mais leve e fluido.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Tecendo a Manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Orgulho e Preconceito


               O post de hoje não teria como não ser sobre o livro Orgulho e Preconceito, da escritora britânica Jane Austen, que completa 200 anos. O livro, na verdade, foi terminado em 1797, mas só foi publicado em 1813.

         A história se passa na Inglaterra, no final do século XVIII, e tem foco na personagem Elizabeth Bennet, uma das cinco filhas de um espirituoso mas imprudente senhor, que tem cinco filhas para “casar”. Naquela época, as possibilidades de ascensão social eram muito limitadas para uma mulher sem dote.

         Elisabeth é uma mulher em que se nota um diferencial em relação às mulheres daquela época e também entre suas irmãs. É uma jovem que consegue enxergar bem além das convenções sociais, tem uma lucidez e discernimento aflorado, e postura crítica. Por seu caráter distinto, Elizabeth desperta o amor de Mr. Darcy.

         O amor dos dois não é aquele à primeira vista. Quando se conhecem, eles não gostam nenhum pouco um do outro, julgando apenas as aparências. Mas ambos estavam errados nesse pré-julgamento, ou preconceito. E tiveram que deixar o orgulho de lado para conhecer o íntimo um do outro.

         Jane Austen tem uma capacidade incrível de mostrar personagens atemporais e é extremamente detalhista neste ponto. Quantos de nós não caracterizamos, ou julgamos, uma pessoa pela nossa primeira impressão? Eu simplesmente amo esse livro, mas não tanto quanto Razão e Sensibilidade, que vale muito a pena ler também.

         E obrigado Jane Austen, por ter nos deixado tamanho legado!!!!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Caminho Branco


Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza,
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre as pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de brumas e prata.
Entre tufos de carqueja
Há constelações de orvalho
E um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto da água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada;
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.


Lêdo Ivo