domingo, 28 de março de 2010

OS VERSOS QUE TE FIZ

"Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!"

Florbela Espanca

domingo, 21 de março de 2010

QUIMERAS DO MEDO

Você me pede que espere
não esqueça, a liberdade virá
(numa esfera indefinida,
incerto e tênue oxalá)

Bruscamente transformando
Alquimista do arremedo
pesquiso na entranha das sombras
a bisonha reação
dessa espera medonha
(além de medo e fantasia
covardia e titubeio
o que mais misturar?)

Com quantos metros de incerteza
se mede um esperar?
Como esperar, enfim
quando quem espera
nem sabe a cor das flores
que farão a primavera?

Quando se quer uma coisa
posta ao alcance da mão
o que é o esperar?
Recolher a mão ao bolso
ou o querer desligar?
Por que envelhecer nos dedos
o impulso desse tato?

E se recolho o braço
quem vai aguar meus jardins?
E se desligo o querer e diminuo
o passo
findo o compasso da espera
quem, onde, como e quando
despertará meu coração por mim?


Nelson Lopes de Figueiredo

"A vida tem dois rumos: o pessimismo e o otimismo. Este nos leva à vitória" Ivo Coelho

domingo, 14 de março de 2010

SONHOS


Há quem diga que todas as noites são sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas,
só as de verão.
No fundo isso não tem importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si,
são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano,
dormindo ou acordado.


William Shakespeare

domingo, 7 de março de 2010

TUA MÃO EM MIM

Você me acorda no meio da noite
e eu que navegava tão distante
cravada a proa em espumas
desfraldados os sonhos
afloro de repente entre as paradas ondas dos lençóis
a boca ainda salgada mas já amarga
molhada a crina
encharcados os pêlos
na maresia que do meu corpo escorre.
Cravam-se ao fundo os dedos do desejo.
A correnteza arrasta.
Só quando o primeiro sopro escapar
entre os lábios da manhã
levantarei âncora.
Mas será tarde demais.
O sol nascente terá trancado o porto
e estarei prisioneira da vigília.


Marina Colasanti