quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O SISTEMA/1


Os funcionário não funcionam.
Os políticos falam mas não dizem.
Os votantes votam mas não escolhem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de ensino ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.

Eduardo Galeano (O Livro dos Abraços)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Amor Feinho

"Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

Adélia Prado

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A HORA ÍNTIMA

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

BALTASAR E BLIMUNDA

" (...)Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo. (...)"

José Saramago in Memorial do Convento.

domingo, 15 de agosto de 2010

OUTROS TERÃO UM LAR, QUEM SAIBA, AMOR

    Outros terão
    Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
    A inteira, negra e fria solidão
    Está comigo.

    A outros talvez
    Há alguma coisa quente, igual, afim
    No mundo real. Não chega nunca a vez
    Para mim.

    "Que importa?"
    Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
    Nem um casual mendigo à minha porta
    Sentar-se veio.

    "Quem tem de ser?"
    Não sofre menos quem o reconhece.
    Sofre quem finge desprezar sofrer
    Pois não esquece.

    Isto até quando?
    Só tenho por consolação
    Que os olhos se me vão acostumando
    À escuridão.

Fernando Pessoa

terça-feira, 27 de julho de 2010

POEMA ANTIGO

"Está tudo planejado:
se amanhã o dia for cinzento,
se houver chuva
se houver vento,
ou se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza fria
sobre as coisas
conhecidas pela casa
a mesa posta
e gasta
está tudo planejado
apago as luzes, no escuro
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te
ou então
visto minhas calças vermelhas
e procuro uma festa
onde possa dançar rock
até cair"

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 29 de junho de 2010

ENTREVISTA

Telefonam-me do jornal:
-Fale de amor-
diz o repórter,
como se falasse
do assunto mais banal.
-Do amor? -Me rio
informal. Mas
ele insiste:
-Fale-me de amor-
sem saber, displicente,
que essa palavra
é vendaval.

-Falar de amor?-Pondero:
o que está querendo, afinal?
Quer me expor
no circo da paixão
como treinado animal?

-Fala...-insiste o outro
-Qualquer coisa.
Como se o amor fosse
“qualquer coisa”
prá se embrulhar no jornal.

-Fale bem, fale mal,
uma coisa rapidinha
-ele insiste,como se ignorasse
que as feridas de amor
não se lavam com água e sal.

Ele perguntando
eu resistindo,
porque em matéria de amor
e de entrevista
qualquer palavra mal dita
é fatal.


Affonso Romano de Sant'Anna

segunda-feira, 14 de junho de 2010

VISÃO DE CLARICE LISPECTOR


Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.

Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 23 de maio de 2010

DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na
boca.
- Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

domingo, 16 de maio de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER - III

"Os homens que perseguem uma multidão de mulheres podem facilmente ser divididos em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres seu próprio sonho, sua ideia subjetiva de mulher. Outros são movidos pelo desejo de se apoderar da infinita diversidade do mundo feminino objetivo.
A obsessão dos primeiros é uma obsessão romântica: o que procuram nas mulheres é a si próprios, é ao ideal deles, e ficam sempre e continuamente decepcionados, porque, como sabemos, o ideal é o que é impossível encontrar. Como a decepção que os leva de mulher em mulher dá à sua inconstância uma espécie de desculpa melodramática, muitas mulheres sentimentais acham comovente essa poligamia obstinada.
A outra obsessão é uma obsessão libertina, e as mulheres não veem nisso nada de comovente: como o homem não projeta nas mulheres um ideal subjetivo, tudo lhe interessa e nada pode decepcioná-lo. E precisamente essa inaptidão para a decepção tem algo de escandoloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do fornicador libertino não pode ser perdoada (porque não é resgatada pela decepção).
Como o fornicador romântico persegue sempre o mesmo tipo de mulher, nem notamos que muda de amantes; seus amigos estão sempre cometendo gafes, pois não percebem a diferença entre suas companheiras e chamam todas pelo mesmo nome."

Milan Kundera

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER - II

"O que é a sedução? Pode-se dizer que é um comportamento que deve sugerir que a aproximação sexual é possível, sem que essa eventualidade possa ser entendida como uma certeza. Em outras palavras, a sedução é uma promessa de coito, mas uma promessa sem garantia."

Milan Kundera

domingo, 11 de abril de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

"Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa, pois um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro. "

Milan Kundera

domingo, 28 de março de 2010

OS VERSOS QUE TE FIZ

"Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!"

Florbela Espanca

domingo, 21 de março de 2010

QUIMERAS DO MEDO

Você me pede que espere
não esqueça, a liberdade virá
(numa esfera indefinida,
incerto e tênue oxalá)

Bruscamente transformando
Alquimista do arremedo
pesquiso na entranha das sombras
a bisonha reação
dessa espera medonha
(além de medo e fantasia
covardia e titubeio
o que mais misturar?)

Com quantos metros de incerteza
se mede um esperar?
Como esperar, enfim
quando quem espera
nem sabe a cor das flores
que farão a primavera?

Quando se quer uma coisa
posta ao alcance da mão
o que é o esperar?
Recolher a mão ao bolso
ou o querer desligar?
Por que envelhecer nos dedos
o impulso desse tato?

E se recolho o braço
quem vai aguar meus jardins?
E se desligo o querer e diminuo
o passo
findo o compasso da espera
quem, onde, como e quando
despertará meu coração por mim?


Nelson Lopes de Figueiredo

"A vida tem dois rumos: o pessimismo e o otimismo. Este nos leva à vitória" Ivo Coelho

domingo, 14 de março de 2010

SONHOS


Há quem diga que todas as noites são sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas,
só as de verão.
No fundo isso não tem importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si,
são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano,
dormindo ou acordado.


William Shakespeare

domingo, 7 de março de 2010

TUA MÃO EM MIM

Você me acorda no meio da noite
e eu que navegava tão distante
cravada a proa em espumas
desfraldados os sonhos
afloro de repente entre as paradas ondas dos lençóis
a boca ainda salgada mas já amarga
molhada a crina
encharcados os pêlos
na maresia que do meu corpo escorre.
Cravam-se ao fundo os dedos do desejo.
A correnteza arrasta.
Só quando o primeiro sopro escapar
entre os lábios da manhã
levantarei âncora.
Mas será tarde demais.
O sol nascente terá trancado o porto
e estarei prisioneira da vigília.


Marina Colasanti

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O PAÍS DOS SONHOS

"Era um imenso acampamento ao ar livre. Das cartolas dos magos brotavam alfaces cantoras e pimentões luminosos, e por todas as partes havia gente oferecendo sonhos para trocar. Havia os que queriam trocar um sonho de viagem por um sonho de amores, e havia quem oferecesse um sonho para rir a troco de um sonho para chorar um pranto gostoso.
Um senhor andava ao léu buscando os pedacinhos de seu sonho, despedaçado por culpa de alguém que o tinha atropelado: o senhor ia recolhendo os pedacinhos e os colava e com eles fazia um estandarte cheio de cores.
O aguadeiro de sonhos levava água aos que sentiam sede enquanto dormiam. Levava água nas costas, em uma jarra, e a oferecia em taças altas.
Sobre uma torre havia uma mulher, de túnica branca, penteando a cabeleira, que chegava aos seus pés. O pente soltava sonhos, com todos seus personagens: os sonhos caíam dos cabelos e iam embora pelo ar."



Eduardo Galeano

domingo, 14 de fevereiro de 2010

A PRIMEIRA VEZ QUE ENTENDI

A primeira vez que entendi o mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ela continuou se mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi o mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.

Affonso Romano de Sant' Anna

domingo, 7 de fevereiro de 2010

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Cecília Meirelles

domingo, 31 de janeiro de 2010

A CASA DAS PALAVRAS




Na casa das palavras, sonhou Helena Villagra, chegavam os poetas. As palavras, guardadas em velhos frescos de cristal, esperavam pelos poetas e se ofereciam, loucas de vontade de ser escolhidas: elas rogavam aos poetas que as olhassem, as cheirassem, as tocassem, as provassem. Os poetas abriam os frascos, provavam palavras com o dedo e então lambiam os lábios ou fechavam a cara. Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam, e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido.
Na casa das palavras havia uma mesa das cores. Em grandes travessas as cores eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando: amarelo-limão ou amarelo-sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre, vermelho-sangue, vermelho-vinho...


Eduardo Galeano

domingo, 24 de janeiro de 2010

FANATISMO

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

Florbela Espanca

domingo, 17 de janeiro de 2010

O TEU RISO


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.


Pablo Neruda

domingo, 10 de janeiro de 2010

AUSÊNCIA

Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.



Vinícius de Moraes

domingo, 3 de janeiro de 2010

JESUS

É tão bom saber que Jesus ama o pobre, o rico, o feio, o belo, o pecador, o justo; que onde estiverem duas ou três pessoas orando, Ele estará presente. O meu Jesus vive em caridade, não está preso na letra nem armado de chicotes, ferindo os que não pensam como Ele. Não O vejo defendendo religião alguma ou apontando erros e desmoralizando, em nome da Sua doutrina. O Cristo que conheço, que aprendi a amar, é justo, é bom, é infinitamente caridoso, porque perdoa. Ele é digno de Deus, por isso recebeu a Terra para transformá-la, assim como a todos nós, espíritos ainda tão endividados. O Cristo que amo ensina-me a respeitar meu trabalho, ainda mais o do meu próximo, não grita acusações duras sobre quem não O ama. Ao contrário, dia após dia Ele chama Seus irmãos para se tornarem operários do Pai. Feliz daquele que O escuta, pois Cristo é o maior dos mestres. Ele é o irmão que posso abraçar e sentir em meu coração.