segunda-feira, 27 de maio de 2013

Calmaria



Nada!
Horas e horas neste ponto morto
Onde caiu agora a minha vida...
Nem um desejo, ao menos!
Só instintos pequenos:
Apetite de cama e de comida!

Nem sequer ler um livro
Ou conversar comigo, discutir...
Nada!
Neutro, morno, a dormir
Com a carne acordada.

Miguel Torga, in "Diário (1939)


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Martha Medeiros


         “Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. (...) Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto das marcas de velhice que o livro vai ganhando: (...) a lombada descascando, o volume ficando meio ondulado com o manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas é uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros.”

Obs.: Foi Martha quem disse, mas poderia ter sido eu ou você.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Trecho de "No Caminho de Swann" - Marcel Proust


Combray

                   Um homem que dorme sustenta em círculo, a seu redor, o fio das horas, a ordenação dos anos e dos mundos. Ao acordar, consulta-os por instinto e neles verifica, em um segundo, o ponto da terra em que se localiza, o tempo que transcorreu até o seu despertar; mas essa ordem pode se confundir e romper. Se, plea madrugada, após uma insônia, o sono vem surpreendê-lo durante a leitura, numa posição bem diferente daquela em que costuma dormir, basta seu braço erguido para parar e fazer recuar o sol, e no primeiro minuto ao despertar já não mais saberá as horas, achando que mal acaba de se deitar. Se adormecer em posição ainda mais desusada e diversa, por exemplo depois do jantar, sentado numa poltrona, então a reviravolta será completa nos mundos fora de órbita, a poltrona mágica o fará viajar a toda velocidade no tempo e no espaço, e, no momento de abrir as pálpebras, julgará estar deitado alguns meses antes, numa região diferente.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Por que amei assistir a segunda temporada de Girls

              
             Quando comecei a assistir Girls fiquei na dúvida se tinha realmente gostado da série. Mas aí, fui assistindo os episódios e no fim pude dizer com toda a certeza que eu tinha gostado, sim. E agora que terminei de assistir a segunda temporada posso dizer a vocês o quanto me deliciei com cada episódio. Para quem não sabe, Girls é uma série criada, escrita e protagonizada por Lena Dunham, uma garota prodígio indicada a 4 Emmys em 2012.


Lena Dunham

         A série é apresentada pela HBO e tem como pano de fundo a vida de quatro amigas, na faixa de seus 20 anos, que vivem em Nova Iorque. Apesar de já existirem outras séries que falam de amigas vivendo em Nova Iorque, Girls é diferente porque essas amigas são muito mais gente como a gente. A série não tem nada do glamour de Sex and the City ou da badalação das garotas do Upper East Side de Gossip Girl. Essas garotas são cheias de dúvidas, batalhadoras, sofrem, procuram emprego, são chutadas pelos homens, mas ao mesmo tempo conseguem rir delas mesmas, conseguem se divertir da maneira que podem.

Nessa segunda temporada, Hannah (a personagem de Lena Dunham) aparece com um novo namorado, Sandy (Donald Glover). O estranho é perceber que Hannah conseguiu deixar seu ex-namorado Adam para trás (na primeira temporada Hannah era como um cachorrinho que estava sempre batendo na porta de Adam no meio da noite, e ele sempre a destratava). E o mais estranho é ver que Adam não conseguiu lidar bem com essa rejeição. Agora é ele quem liga para que ela cuide dele, é ele que vai atrás dela e entra em seu apartamento, até que Hannah, assustada, chama a polícia e Adam acaba preso. 


Hannah e Sandy

     Não que Hannah quisesse ver Adam preso, é só que ela está muito assustada com o fato de ele não saber lidar com o “não”. A única coisa que Hannah quer é que Adam pare de mandar mensagens para ela. Mas se formos pensar, Hannah e Adam são os dois freak da série. São tão incomuns que parecem serem feitos um para o outro.

O namoro de Hannah com Sandy não engata, logo no início da segunda temporada, e isso rende um dos diálogos mais ricos da série: uma discussão sobre preconceito racial (já que Sandy é negro). Ele a acusa de querer namorá-lo apenas para andar pelos bairros perigosos de Nova Iorque ao passo que ela diz que nunca havia lhe passado pela sua cabeça que ele era um cara negro. Como Hannah? Ela consegue um contrato para escrever um e-book e, sob forte pressão, volta a ter suas crises de TOC. Ela perfura o tímpano com um cotonete, corta seu próprio cabelo, e lá no fim do poço, clama por Adam, que sai correndo para salvá-la!!! Eles são a tampa e a panela!


Adam e Hannah terminam juntos

 Outra personagem que chama muito a atenção é Marnie (Allison Williams), a amiga mais bonita. Na primeira temporada, Marnie tinha tudo: casa, emprego, namorado. No final da primeira temporada, Marnie se desentende com Hannah e acaba tendo que mudar de casa. Nessa segunda temporada, Marnie é a personagem mais perdida. Além de não ter mais casa, não ter mais namorado (Marnie se separa de Charlie na primeira temporada), Marnie acaba perdendo também o seu emprego. E ela simplesmente não consegue achar outro.


Marnie

Como se não bastasse, no meio desse turbilhão, Marnie acaba transando com o amigo gay e ex de Hannah. E isso abala ainda mais o relacionamento das duas. Ela consegue arrumar um emprego como hostess num restaurante e depois mantém uma relação com um carinha do seu passado, que ela sempre admirava. Mas Marnie acredita que os dois estão namorando até que o carinha, um artista plástico muito talentoso, diz para ela que eles não estão. Então, é preciso estar lá no fundo do poço para dar valor ao que se tinha. E é então que Marnie vai atrás do seu ex-namorado Charlie, que por sinal criou um aplicativo e ganhou rios de dinheiro.


Marnie e Charlie ficam juntos

Outra personagem de altos e baixos é Jessa (Jemima Kirke). Ela se casa com Thomas-Jhon (Chris O’Dowd), um cara superesquisito, mas rico, no final da primeira temporada, e permanece casada com ele por apenas dois meses. Na verdade, Jessa não se enquadra numa vida comum, como teria que ser a rotina do casamento. No episódio em que Jessa conhece os seus sogros, ela se solta e conta para eles a sua vida, o que fez e também o que ela não faz. É claro que é um choque para eles perceber que o filhinho querido casou-se com um mulher que viajou o mundo, usou heroína (segundo ela, só cheirava, não injetava). E isso rende ao casal uma briga que culmina com o término do casamento, já que Thomas-Jhon queria que Jessa escondesse quem ela era dos pais dele. Outra que fica lá no fundo do poço, vai atrás dos pais, mas como é um ser “errante”, cai no mundo para se recompor.


Jessa

A última amiga, Shoshanna (Zozia Marmet), que na primeira temporada era virgem sensível e pudica, perde a virgindade com o amigo de Charlie (ex de Marnie), Ray. Agora, Shoshanna tem que lidar com os sabores e dissabores de sua vida afetiva. Ela “percebe” que Ray está morando com ela e que ela está apaixonada por ele. É Shoshanna um dos maiores destaques dessa segunda temporada. Seus diálogos são muito bem escritos, doces e faz com que a gente dê boas risadas.


Soshanna

Enfim, essas garotas enfrentam desafios, insegurança, têm medo da vida real, se deparam com amizades falsas, se fortalecem com as verdadeiras, têm de lidar com a falta de dinheiro e com as frustrações. Essas garotas mostram serem como tantas outras que existem por aí. A série tem cenas excelentes, como a cena em que Hannah usa cocaína pela primeira vez para escrever um artigo sobre os efeitos da droga, o episódio em que Hannah passa o dia na casa de um médico desconhecido sendo tratada como uma princesa e fazendo muito sexo. Outro ponto de grande destaque é a trilha sonora da série. Com músicas ótimas, que enchem o coração da gente, sabe?!

Deu vontade de assistir? Então vai lá e se esbalde!!!

Grande beijo e fiquem com Deus!!

Bye-bye!!!

❤❤❤











segunda-feira, 29 de abril de 2013

Os sonhos do fim do exílio/1


         Helena sonhou que queria fechar a mala e não conseguia, e fazia força com as duas mãos, e apoiava os joelhos sobre a mala, e sentava em cima, e ficava em pé em cima da mala, e não adiantava. A mala, que não se deixava fechar, transbordava coisas e mistérios. 

Eduardo Galeano, de O livro dos Abraços.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Estrada Não Trilhada


Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
no qual, dobrando, desaparecia...

Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.

E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa: 
a estrada divergiu naquele bosque - e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.

Robert Frost

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Poética



1
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver - onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo


Cláudio Willer