segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Hugh Selwyn Mauberly



Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
Trecho de “Hugh Selwyn Mauberly”, de Ezra Pound.
Tradução de A. de Campos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

In Love por Downton Abbey


              Terminei de assistir a segunda temporada da série e não pude resistir à tentação de vir aqui escrever um pouquinho sobre ela para vocês. Sabe aquela série que é perfeita em todos os sentidos? Cenários lindos, figurino idem, época que eu gostaria de ter vivido. Cada vez que assisto um episódio os meus olhos se enchem de lágrima.

         Downton é daquelas séries que tem personagens bons demais e outros ruins demais. É a série dos opostos: família abastada VS pobreza, aristocracia VS trabalhadores, empregados VS patrões. A série mostra que os empregados da propriedade sabem tudo sobre a vida dos patrões, e estes sabem bem pouco da vida dos empregados.

         A primeira temporada foi linda também. É situada com o naufrágio do Titanic, 1912, e termina com o início da Segunda Guerra Mundial. No primeiro episódio da primeira temporada temos a chegada de mais um empregado na propriedade, o Sr. Bates, que chega para ocupar o cargo de valete de Lord Grantham. O Sr. Bates tem um problema na perna e é velho conhecido de Lord Grantham. Ao chegar em Downton, ele é hostilizado por alguns empregados (e é aí que você descobre quem é do bem e quem é do mal).

Essa temporada é marcada basicamente pelo fato de que Lord Grantham não tem filhos homens e, por lei, seu título e sua fortuna devem passar para o parente “homem” mais próximo, que por sinal morreu no trágico acidente do Titanic. Aparece então um primo distante, Matthew Crawley, um advogado nada acostumado com o ócio da aristocracia da família, que acaba ganhando a afeição do conde e todos da família passam a querer o casamento dele com a filha mais velha de Robert Grantham, Mary.

A segunda temporada transcorre concomitantemente à Segunda Guerra Mundial. Alguns vão para a guerra, são feridos ou mortos, e a enorme propriedade de Downton se transforma em uma casa de recuperação para oficiais feridos na guerra. Isso muda toda a rotina dos moradores do castelo, que se mostram sempre dispostos a cuidar dos feridos, quebrando assim a monotonia de suas vidas.

Mas nada permanece igual durante e após uma grande guerra. Várias mudanças são operadas, e eu não vou contar aqui para não estragar a surpresa de vocês. A propriedade de Downton tem como nome verdadeiro Highclere Castle. Foi construída na década de 1.600 e está localizada na região de Hampshire. Pertence ao conde de Carnavon e sua esposa, ambos amigos do criador da série Downton Abbey, Julian Fellowes.

Eu estou encantada com a série, simplesmente louca para ver logo a terceira temporada. São tantas emoções!!! Kkkkk. Se eu fosse você, ia correndo começar a ver! A série começará a ser exibida no canal GNT a partir de abril e já foi renovada para a 4ª temporada. 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Trecho de “Tabacaria”, de Fernando Pessoa.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sobre O Carnaval


               Eh- eh-eh-ah, não faz marola que a canoa vai virar... Claro que o carnaval é nossa insânia, mas é nossa grandeza também. Há no carnaval um imenso desejo de felicidade, uma utopia de eterna liberdade. Nenhum país pode nos chamar de loucos. Maluco é esse mundo de Chávez, Iraque, Irã, homens-bomba. O nosso inconsciente no carnaval fica à flor da carne. Vocês já imaginaram aquelas cascatas de bundas na Suíça? No entanto, nessa explosão de alegria, surge os recalques engolidos durante o ano todo por multidões de desvalidos e infelizes. Claro, há as escolas de samba, os blocos de rua que ressurgem mais refinados no país todo. Mas há sim algo de sinistro no pula-pula brutal de multidões alucinadas, sem a delicadeza da alegria. Esse é o lado negro do carnaval. Um tumulto de milhares de foliões se esmagando, sem dança, sem ritmo, sem nada. Parece uma calamidade pública. O carnaval é saúde, tudo bem. Mas por baixo da euforia, aflora de repente a doença nacional da violência, da ignorância e do desamparo social e político. Agora é cinza, tudo acabado. E nada mais...”

Arnaldo Jabor, para o Jornal da Globo, em 2010.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Ana Karênina - Lev Tostói



                     Eu queria muito ler o livro Ana Karênina antes de o filme estrear em sua nova versão nos cinemas esse ano. Não vi nem o filme antigo, nem o filme novo, por enquanto. Mas até que enfim terminei de ler o livro! (Não me lembro de ter demorado tanto para ler um livro assim)

         Lev Tostói é um dos grandes escritores da literatura russa do século XIX, juntamente com Doistoiévski, Tchecov, Turgueniev e Gorki. Nasceu no ano de 1828 e foi educado por preceptores, com a morte prematura dos pais. O interessante para mim na vida de Tostói foi saber que ele escreveu sobre a precariedade da educação no meio rural, criando uma escola para filhos de camponeses na qual escrevia o seu material didático e deixava os alunos bem livres, sem muitas regras e punições.

         Era um grande pensador, as coisas do mundo o inquietavam, e cansou-se de procurar as respostas pelas quais tanto ansiava na filosofia e na ciência, deixando-se guiar então pela vida simples dos camponeses, que para ele era a mais adequada.

         Vamos ao livro. O contexto histórico do romance é um retrato fidedigno das grandezas e misérias da Rússia do século XIX, com várias alusões a títulos nobiliárquicos e eventos que reúnem a nobreza da época, e uma descrição rigorosa de ambientes e rituais sociais em voga, praticados por uma pequena elite, em uma postura antitética com relação a “outra Rússia”, em paulatino empobrecimento.

         A trama do livro está centrada na história de amor e adultério que protagoniza Ana Karênina, uma mulher da alta sociedade russa, casada com um importante político de São Petersburgo. Ana trai o seu esposo com o jovem militar Vronski e resolve enfrentar o seu marido e toda a sociedade para ficar com o seu amor, deixando seu filho aos cuidados do ex-marido.      

         Mas este era um fardo grande demais que Ana não poderia suportar. A crítica aguda da aristocracia russa começa a chegar a seus ouvidos, Ana é afastada e não mais bem quista na sociedade, culminando com um final trágico. A crítica literária sempre considerou que o valor artístico de Ana Karênina prevalece sobre a intenção moralizadora do autor.

         O livro é inegavelmente bom, mas ao mesmo tempo entediante, já que há outros núcleos de ação no romance, como o de Liêvin, que deixam a narrativa carregada com as descrições do campo e da atividade camponesa em si, bem como nas matérias filosóficas que Liêvin se vê apreendido. Se o autor tratasse apenas da vida de Ana, sem desviar o foco da narrativa, o livro seria bem mais leve e fluido.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Tecendo a Manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


João Cabral de Melo Neto