sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Vã Pergunta


Esta jovem pensativa, de olhos cor de mel e de longas pestanas penumbrosas
Que está sentada junto àquele jovem triste de largos ombros e rosto magro
É ela a amada dele e é ele o amado dela e é a vida  a sombra trágica dos seus gestos?
Este trem veloz cheio de homens indiferentes e mulheres cansadas e crianças dormindo
Que atravessa esta paisagem desolada de árvores esparsas em montes descarnados
É ele o movimento e é ela a fuga e são eles o destino fugitivo das coisas?
Que dizem os lábios murmurantes dele aos olhos desesperados dela?
Que pronunciam os lábios desesperados dela aos olhos lacrimejantes dele?
Que pedem os olhos lacrimejantes dele à paisagem fugindo?
Não são eles apenas uma só mocidade para o tempo e um só tempo para a eternidade?
Não são seus sonhos um só impulso para o amor e os seus suspiros um só anseio para a pureza?
Por que este transtorno de faces e esta consumição de olhares como para nunca mais?
Não é um casto beijo isso que bóia aos lábios dele como um excedimento da sua alma?
Não é uma carícia isso que freme nas mãos dela como um arroubo da sua inocência?
Por que os sinos plangendo do fundo das consolações como as vozes de aviso dos farois perdidos?
É bem o amor essa insatisfação das esperanças?


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um Sonho Dentro de Um Sonho


Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confessar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fugidia?
De maneira qualquer fugiria.
O que vejo, o que sou ou suponho
não é mais do que um sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma pria, que a vaga tortura.
Minha mão grãs de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura. 
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não posso salvar 
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou ou suponho
será apenas um sonho num sonho?

Edgar Allan Poe

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Razão e sentimento



           É a primeira vez que posto aqui no blog resenha de um livro. É que acabei de ler o livro Razão e Sentimento (Sense and Sensibility), da escritora inglesa Jane Austen, e estou enlouquecidamente in love por essa história, que senti uma espécie de frenesi. Uma voz ficou martelando aqui no meu ouvido me dizendo para escrever sobre esse livro. Então vamos lá.

 Foi o primeiro livro publicado pela escritora, em 1811. Primeiramente, é impressionante como a escrita de Austen nos transporta para o século XIX com tamanha facilidade pela riqueza de detalhes dos lugares, das roupas, dos hábitos e costumes da época. A história das irmãs Dashwood me encantou de tal maneira, talvez porque elas fossem sonhadoras, inteligentes, meigas, bem-educadas, pessoas que sabem apreciar literatura, música e arte, ou então, porque eu me deliciava mesmo com aquelas paisagens bucólicas e traçava comparações com os costumes da época, o fato é que eu não queria que a história tivesse fim. E olha que já tinha assistido o filme antes, ou seja, já sabia o que ia acontecer no fim, mas o livro.... Ah, o livro!!!!

Bom, o livro conta a história de duas irmãs, Elinor e Marianne, que embora de personalidades diferentes, se amavam de uma maneira intraduzível. Elinor é a “razão”, a irmã mais velha, sensível e reservada, enquanto Marianne, a filha do meio, é extremamente passional e espontânea. Há ainda a irmã mais nova, Margaret, uma personagem secundária. O romance trata da clássica dicotomia lógica versus paixão.

Jane Austen mostra uma sociedade inglesa nos anos 1800s em um perfeito retrato da aristocracia britânica, apresentando sentimentos humanos que são atemporais. As duas mulheres vivem em uma sociedade construída pelo pensamento de que o “ter” é mais importante que o “ser”, uma sociedade construída pelo senso comum.  

Nesta sociedade, Elinor aprendeu a refrear os seus sentimentos, assim como a sociedade da época dizia que tinha que ser. Após a morte do pai, Henry Dashwood, ela e sua família têm que se mudar da propriedade que até então moravam. Elinor se apaixona por Edward, cunhado de seu irmão, mas mantém os seus reais sentimentos escondidos.

Na nova casa, Marianne se vê enlaçada pelos encantos do jovem Willoughby, mas ao contrário da irmã, não esconde os seus sentimentos de ninguém, aliás, uma atitude totalmente não convencional para a época. Mas, o mundo não é feito só de amores, e as senhoritas Dashwood se veem às voltas com preconceitos, falsidades, pensamentos machistas e casamentos por conveniência. Tudo era diferente no século XIX, o livro não fala de uma cena de beijo ou sexo sequer. As personagens mal se tocam, mas se amam, se admiram e respeitam de verdade.   
      
A dissimulação ditava os comportamentos. Elinor, como dito anteriormente, era tão sábia e contida, que até mesmo nas ocasiões mais difíceis se mostrava uma mulher forte e decidida, embora estivesse se desmoronando por dentro. Marianne não escondia nada, tão imatura, sua aparência estampava ira, paixão, decepção, exuberância. Era tão incontida que seu estado emocional foi posto em xeque e apresentou graves problemas de saúde.   

As duas irmãs erram em seus julgamentos, cometem erros e aprendem com eles. Aprendem que para encontrar felicidade pessoal na sociedade britânica do século XIX, em que status e dinheiro governavam as regras do amor, era preciso aprender a dosar razão e sentimento. Eu super recomendo!!!

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Canto do Meu Canto


Escrevi no chão do outrora 
e agora me reconheço: 
pelas minhas cercanias 
passeio, mal me freqüento. 
Mas pelo pouco que sei 
de mim, de tudo que fiz, 
posso me ter por contente, 
cheguei a servir à vida, 
me valendo das palavras. 
Mas dito seja, de uma vez por todas, 
que nada faço por literatura, 
que nada tenho a ver com a história, 
mesmo concisa, das letras brasileiras. 
Meu compromisso é com a vida do homem, 
a quem trato de servir 
com a arte do poema. Sei que a poesia 
é um dom, nasceu comigo. 
Assim trabalho o meu verso, 
com buril, plaina, sintaxe. 
Não basta ser bom de ofício. 
Sem amor não se faz arte.

Trabalho que nem um mouro, 
estou sempre começando. 
Tudo dou, de ombros e braços, 
e muito de coração, 
na sombra da antemanhã, 
empurrando o batelão 
para o destino das águas. 
(O barco vai no banzeiro, 
meu destino no porão.)

Nada criei de novo. 
Nada acrescentei às forma 
tradicionais do verso. 
Quem sou eu para criar coisas novas, 
pôr no meu verso, Deus me livre, uma 
invenção.

Thiago de Mello