sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Caminho Branco


Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza,
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre as pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de brumas e prata.
Entre tufos de carqueja
Há constelações de orvalho
E um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto da água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada;
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.


Lêdo Ivo

2 comentários:

Dra. Cristiane Grande Jimenez Marino disse...

Nossa Camila, que lindo poema!
Ótimo fim de semana
Bjs

Camila Lispector disse...

É lindo mesmo, não, Cristiane!!
Obrigada pela visita.