"O mundo parecia-me encantatório e agigantava-se quando narrado pelos seres que, intitulados escritores, invadiam as coisas inanimadas, a cama, a comida, grudavam-se às paredes dos casebres e dos palácios. Uma sucessão de narradores que, conquanto derrotados pela fadiga da escritura, pela batalha estética e pela própria morte, gradativamente iam sendo substituídos por outros com igual fervor e destino de narrar. Todos eles, porém, ao me fazerem crer na vida, trasmitiam-me a noção básica de que convinha exceder-se a fim de concretizar o enlace humano, o difícil e desejado casamento entre o real e o imaginário, o céu e a terra.
A vida não era o que eu via e deixava-se tocar, o que me ensinavam. Seu arcabouço, ainda que incompleto, ultrapassava o meu saber, ia além do previsto, do alcançável a olho nu, ao simples tato, ao enlevo da imaginação. Mas a esperança, que também provinha do desconhecimento, reabilitava o meu amanhecer."
Nélida Piñon. Coração Andarilho.
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