domingo, 27 de dezembro de 2009

ESPERANÇA

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O AMOR BATE NA AORTA

Cantiga do amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito!

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 13 de dezembro de 2009

CONTOS COMPLETOS

" A madrugada, mesmo quando há melancolia e faz frio, nunca deixa de me varar pelos membros, como se me atirasse flechas de um gelo penetrante e rútilo. Descerro as grossas cortinas e busco o primeiro brilho do céu, que mostra que a vida está a irromper. Rosto colado na vidraça, gosto de imaginar que me comprimo o quanto posso contra a muralha espessa do tempo, que sempre se alteia e estira para permitir que outros espaços de vida venham de encontro a nós. Que a mim pois seja dado saborear o momento, antes que ele se propague pelo restante do mundo! Que eu saboreie o que existe de mais viçoso e mais novo!"

Virginia Woolf

domingo, 6 de dezembro de 2009

AMOR É SÍNTESE

Por favor não me analise,

Não fique procurando cada

ponto fraco meu,

Se ninguém resiste a uma

análise profunda,

Quanto mais eu

Ciumento, exigente, inseguro,

carente,

Todo cheio de marcas que a

vida deixou.

Vejo em cada grito de

exigência

Um pedido de carência, um

pedido de amor.

Amor é síntese,

É uma integração de dados,

Não há que tirar nem pôr.

Não me corte em fatias,

Ninguém consegue abraçar um

pedaço,

Me envolva todo em seus

braços,

E eu serei perfeito, amor.


Mário Quintana