segunda-feira, 29 de abril de 2013

Os sonhos do fim do exílio/1


         Helena sonhou que queria fechar a mala e não conseguia, e fazia força com as duas mãos, e apoiava os joelhos sobre a mala, e sentava em cima, e ficava em pé em cima da mala, e não adiantava. A mala, que não se deixava fechar, transbordava coisas e mistérios. 

Eduardo Galeano, de O livro dos Abraços.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Estrada Não Trilhada


Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
no qual, dobrando, desaparecia...

Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.

E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa: 
a estrada divergiu naquele bosque - e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.

Robert Frost

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Poética



1
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver - onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo


Cláudio Willer

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Passando dos cinquenta


Meu pescoço se enruga.
Imagino que seja
de mover a cabeça 
para observar a vida.
E se enrugam as mãos
cansadas dos seus gestos.
E as pálpebras
apertadas no sol.
Só da boca não sei
o sentido das rugas
se dos sorrisos tantos
ou de trancar os dentes
sobre caladas coisas.

Marina Colasanti 


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Eu Quero Ser Feliz Agora


Se alguém disser pra você não cantar
Deixar seu sonho ali pra uma outra hora
Que a segurança exige medo
Que quem tem medo Deus adora

Se alguém disser pra você não dançar
Que nessa festa você tá de fora
Que você volte pro rebanho.
Não acredite, grite, sem demora...

Eu quero ser feliz agora (2X)

Se alguém vier com papo perigoso de dizer
que é preciso paciência pra viver
Que andando ali quieto
Comportado, limitado
Só coitado, você não vai se perder
Que manso imitando uma boiada,
você vai boca fechada pro curral sem merecer
Que Deus só manda ajuda a quem se ferre,
e quando o guarda-chuva emperra certamente vai chover.
Se joga na primeira ousadia,
que tá pra nascer o dia do futuro que te adora.
E bota o microfone na lapela, olha pra vida e diz pra ela...

Eu quero ser feliz agora (2X)














segunda-feira, 8 de abril de 2013

A Desolation



Now mind is clear
as a cloudless sky.
Time then to make a 
home in wilderness.

What have I done but
wander with my eyes
in the trees? So I
wild build: wife,
family, and seek
for neighbors.

Or I
perish of lonesomeness
or want of food or
lightining or the bear
(must tame the hart
and wear the bear).

And maybe make an image
of my wandering, a little
image - shrine by the
roadside to signify
to traveler that I live
here in the wilderness
awake and at home.


Allen Ginsberg

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Soneto de Abril


Agora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo, como um pranto
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.

Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte d'água, mas de canto.

Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas: 

amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.

Lêdo Ivo